2/21/2011

O simbólico e o real

(Texto antigo, mas resolvi postar)

O símbolo é um elemento que define uma idéia coletiva, é expressada através de rituais (quaisquer que sejam eles), e aceita por meio da fé. Desse modo, tendo em mente que tudo o que realizamos é uma certa forma de ritual que expressa nossa visão de mundo e professa à todo momento nossa fé em algo, podemos pensar que a realidade vivida só pode ser entendida simbolicamente. Pensando em termos de evolução histórica e realidade objetiva percebemos que em diferentes épocas, os seres humanos tiveram crenças em símbolos diferentes, que os fizeram perceber e viver a vida de formas diferentes. E nesse sentido a realidade seria uma questão de experiência coletiva.

Na antiguidade os povos criavam mitos para explicarem a realidade, como na antiga Grécia em que havia uma crença em deuses que interferiam na vida cotidiana das pessoas, produzindo fenômenos naturais e agindo sobre o homem e a natureza segundo suas próprias paixões. Para eles a explicação das coisas se dava através do entendimento da ação desses deuses, e havia uma lógica e correspondência com a realidade que os fazia manter esse sistema de crenças, que era na época o que seria de mais racional e lógico que se podia formular.

Em épocas mais próximas, dominadas já pelo monoteísmo cristão no mundo ocidental, acreditava-se que a Terra era plana e que o Sol e as estrelas giravam em torno do nosso planeta. E essa forma de entendimento da realidade também representava uma verdade incontestável, tanto que houveram várias mortes por se questionar uma “verdade” simbólica defendida pela Igreja Católica.

Com o desenvolvimento da ciência positiva há hoje uma crença de que o que é comprovado cientificamente se constitui como realidade objetiva, e só é passível de contestação com limites muito definidos, baseado nos paradigmas definidos pela própria ciência que protege sua validade simbólica. E assim como as cruzadas e a “Santa” inquisição protegiam os valores do mito cristão, que só poderiam ser questionados com base nos valores da própria religião e restrita aos membros do clero, únicos detentores do conhecimento verdadeiro, hoje a ciência se arma contra os possíveis “hereges” elegendo como protetores da ciência os cientistas, que têm a função de manter o paradigma simbólico criado pela ciência e tomando como inválida e descartável qualquer proposta que se afaste das formulações baseadas no método científico.

Podemos ver que essa proteção ao símbolo como realidade objetiva e última é uma característica que passa por várias culturas e momentos históricos, e deve ser parte da própria natureza humana. Assim, mesmo em épocas mais contemporâneas, alguns cientistas são relegados ao esquecimento ou respeitados apenas parcialmente. Dentro da psicologia podemos citar Jung e Reich, que foram dois teóricos dissidentes de Freud, que acrescentaram novas propostas à psicanálise freudiana e, além disso, partiram para outros estudos mais transcendentes e metafísicos. Jung com seus estudos de símbolos e Reich com seus estudos acerca do orgone. Esses estudos posteriores, mais metafísicos e transcendentes foram vistos pela comunidade científica com maus olhos durante muito tempo, e ambos sofreram muito em vida, sendo ridicularizados por suas teorias, coisa que até o próprio Freud sofreu ao expor suas idéias iniciais.

Baseado nesses exemplos, podemos perceber o quanto a ciência se protege contra o que pode abalar sua visão positiva de explicação racional do mundo, porém naturalmente novos mitos vão sendo incorporados aos mitos já existentes e partimos para novos paradigmas de pensamento para a criação de novas bases de reflexão sobre o ser humano, e assim se dá o desenvolvimento simbólico da humanidade.

Nesse sentido o Estruturalismo Biogenético desenvolvido Laughlin & McManus nos dá uma explicação mais palpável de como ocorre esse fato de tomar uma formulação simbólica como realidade objetiva, que pode elucidar o que ocorre em termos de cognição para tal fato. Segundo essa linha de pensamento os símbolos servem como ordenador e limitador das experiências, pois faz com que nossa atenção seja atraída para aspectos que sejam consonantes com a nossa crença simbólica. E essa limitação da própria cognição pela crença simbólica é que molda nossas experiências conforme o símbolo existente num determinado momento histórico.

Assim, podemos concluir que a realidade objetiva não deixa de ser parte de um símbolo que a molda, e dessa maneira não podemos julgar as experiências dos povos passados ou ditos “selvagens” como menos evoluídas, e nem mesmo podemos pensar que as nossas descobertas e verdades de hoje se constituem em verdades últimas acerca da realidade objetiva, pois que cada sociedade e cada momento histórico está sujeita à um símbolo ou vários que organizam e limitam a nossa visão da realidade.

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